A árvore dos sonhos

Foto: Graça Graúna

(Resenha: Graça Graúna)

As 15h de uma segunda-feira (em 19 de agosto de 2024), o sol encandeou a vista da gente. Nenhuma nuvem por perto. Um super azul celeste se alastrou, enquanto a Rádio Nacional de Brasília anunciou que a Lua Cheia, uma superlua, apareceria no céu; no ponto mais próximo da Terra.

Entusiasmada com essa notícia e considerando também que o tempo de lua cheia contribui bastante para o nosso desenvolvimento cultural; caminhei pela esplanada e fui em busca do livro “A árvore dos sonhos”, escrito por Nora Pimentel e Kamuu Dan.

Dito e feito:  acatando a influência da nossa avó superlua, folheei o livro, li os sonhos e agradeci aos ancestrais a oportunidade de ler mais um livro de literatura indígena. Alegra-me conhecer seus autores e apreender que os nossos sonhos de escritores e escritoras indígenas estão atrelados à “elevação dos espíritos da natureza, [e que teremos] novos desafios e trabalhos”, como afirma a parente Eliane Potiguara na apresentação do livro, e como ressalta também a parente Truduá Dorrico Macuxi, nesse mesmo livro: “…nem o genocídio português nos séculos XVII e XVIII, nem a política da integração republicana, nem o Marco Temporal vigente, nada disso pôde destruir nossos somhos”.

Em conversa, cara à cara, com a escritora e parente Nôra Pimentel; procurei guardar cada palavra do seu relato sobre o lugar onde nasceu: na comunidade Serra Grande, do povo Wapichana, na cidade de Cantá/RR. Em vários momentos da conversa, ela enfatizou que se reconhece em conexão com o povo Aymara, do Peru, e em retomada ancestral. Assim é Nôra: indígena, mãe, avó e cuja infância viveu entre rios e igarapés de Roraima (RR). Nôra busca, por meio da escrita, combater a invisibilidade e considera que “escrever é emergir o desejo do gritar da alma”. Nôra escreveu o livro (A árvore dos sonhos) em parceria com Kamuu Dan Wapichana (Filho do Sol):  autor premiado no Concurso Tamoio, para escritores indígenas. Ativista dedicado à cultura e à medicina tradicional; autor de “Ciranda da Roça”, obra lançada no projeto Entre Parentes, junto ao SESC de Osasco/SP.  

A árvore dos sonhos é um livro de autoria indígena, escrito por Nôra Pimentel e o parente Kamuu Dan. A edição é de 2024, publicada pela Avá Editora (Brasília/DF). Essa obra traz a assinatura de Bartô, na ilustração e a tradução na língua Wapichana, por Nilzimara Wapichana.

Dia da nossa Mãe Terra

Foto: Graça Graúna

Abya Yala, 1 de agosto de 2024

Amigos/as, indígenas parentes de poesia e luta:

…peço licença para apresentar este relato que é tecido também com os versos do poema “Terra fecunda”1, que eu pari em outubro de 2021, diante da Covid-19. Na ocasião, pedi ao artista Katira (@ilustrakat) que me permitisse ilustrar o meu poema com a sua arte. Gentilmente, ele acatou o meu pedido e levei ao meu Blog um dos quadros que ele produziu em homenagem aos povos indígenas. Então, compartilho aqui um trecho dos muitos versos que escrevivi em pleno sufoco, durante a pandemia:

A ancestralidade habita o coração da Terra
e dentro de nós
somos tecidos de vozes
da diversidade de mundos
de história em historia
de memória em memória
(...)
Somos filhos e filhas
(...)
da Terra Madura
do florescimento
nós somos
a multiplicação da semente
dos povos originários

1 de agosto de 2024: dia de Pachamama. Acordei um pouco tarde e ainda sonolenta devido a medicação que eu tomo para lidar com uma doença autoimune. Não descarto que essa doença (em mim) tem relação com o fato de ter contraído (por três vezes) a Covid-19. E quando penso que a nossa Mãe Terra está sentida de tanto sofrimento, não seria normal se eu não percebesse ou nós não percebêssemos os horrores que afetam a nossa Mãe Fecunda: a transmissão de doenças por mosquitos; as doenças cardiovasculares e respiratórias; as alergias e as doenças mentais são uma parte das consequências das mudanças climáticas, como adverte a pesquisadora Letícia M. Tanaka2.

Apesar dos pesares, não descarto o direito de sonhar e sonho com a passarada do Nordeste brasileiro; com as aves do Cerrado/DF, com os parentes de quatro patas e os de barbatanas que habitam a literatura e os sertões; sonho com as imagens transfiguradas nas xilogravuras de J. Borges que estampam uma parede lá em casa e na casa dos meus filhos. O nordestino J. Borges3 vive e reina nas palavras andantes de Eduardo Galeano e no imaginário que transcende o mar, o agreste e o sertão em nós.

É preciso sonhar o sonho que não se sonha só: o sonho por uma Terra sem Males. Com esta perspectiva, mais uma vez peço licença para chamar um eu-coletivo no Hai Kai seguinte4:

Apesar dos pesares,
nos resta sonhar:
a Mãe Terra nos anima

                                                                      Saudações ancestrais, Graça Graúna
(Filha do povo Potiguara/RN)

Referências

  1. Graça Graúna. Disponível em: https://gracagrauna.com / 2021 /10/09/terra-fecunda/
  2. Letícia M. Tanaka. Disponível em:  http://www.iea.usp.br /noticias/mudancas-climaticas-e-a-pandemia-de-covid-19
  3. J. Borges. A passarada. Xilogravura, 2016.
  4. Graça Graúna. Flor da Mata. Disponível em:  https://youtu.be /KW4 nb9t2 Vlk ?si= P48S-4zeelouVTea