Saberes indígenas: de sonhos e resistência

Paulo Petronílio (UnB), Gustavo Caboco (Artista indígena), Graça Graúna (UPE, indígena) e Pedro Mandagará(UnB)

Saberes Indígenas: de sonhos e resistência(*)

Graça Graúna (filha do povo Potiguara/RN)

Na apresentação do livro “A queda do céu”, escrito pelo yanomami Davi Kopenawa e traduzido pelo antropólogo francês Bruce Albert (1), o xamã revela que as palavras de Omama são muito antigas, mas os xamãs as renovam o tempo todo. Assim é e será, pois Omama (único professor do xamã yanomami) alerta que todos/as nós carecemos de sabedoria. Sigamos, então, à luz das palavras dos encantados e, dessa forma, abrir o nosso pensamento.

Das palavras dadas, um diálogo possível. Nesta perspectiva, eu me recordo da oportunidade que me foi dada por meio de um convite, para escrever um artigo (2) acerca desse livro xamânico.  Escrever “a quatro mãos” não é uma tarefa fácil, pois requer um olhar crítico-afetivo sobre o assunto. Desse modo, o exercício de escrita foi acontecendo e maturando na tessitura da confiança, do respeito e da amizade entre as partes; as palavras foram se revelando mais inquietas entre os e-mails, os seminários e os encontros literários presenciais (antes da pandemia) e em diferentes locais:  ora em Minas, Acre, Roraima, Recife, Brasília, França, Bahia e algures. A escritura minha e do outro; a escritura do outro atrelada as minhas palavras oriundas da ancestralidade. O fato é que a consciência de ser o que somos (indígenas ou não) nos autoriza a lutar pelo Bem Viver, por um mundo melhor, ou como diria o xamã Yanomami sobre a urgência de assumirmos as possibilidades de renovar as nossas próprias palavras e, desse modo, nos unirmos as forças encantadas, sagradas, ancestrais para evitar a queda do céu.

Penso, imagino a minha escrita com a escritura do outro, melhor dizendo; a minha critica-escritura e a critica-escritura do outro e nessa instância, cabe dizer que os Encantados revelam para nós o quão importante podemos ser ao cuidar da nossa Mãe Terra. Quando temos consciência dessa relação com a terra, com o sagrado, a Ancestralidade vem dialogar por meio dos sonhos. Esse diálogo pode acontecer quando intuímos o nosso pertencimento (quer tenhamos ou não raiz afro brasileira, indígena e cigana, por exemplo). Esta percepção é e pode ser também fruto de diálogo entre os povos (3).

Quando dialogamos acerca da enunciação em Kopenawa; podemos ressaltar que ele assume desde a voz dos animais e da floresta até a voz coletiva de seu povo. Cabe, aqui, enfatizar que a narrativa de Kopenawa configura-se em “auto-história” na qual o protagonista conta como se tornou um xamã após deixar o convívio com os “outros”. O xamã diz: “Eu, um Yanomami, dou a vocês, os brancos, esta pele de imagem que é minha”.

À luz dessa enunciação, humildemente atrevo-me na seguinte sentença: como sugere o tema, eu – Graça Graúna, mulher indígena – apenas desenho a invisibilidade de um pássaro e as penas que também são minhas. Porque “o futuro indígena é hoje” (4), atrevo-me tanto quanto me apresso em sair por aí, de mãos dadas, contra as armadilhas dos tempos nus, severos. Torno a me apressar e insisto: devemos combater os desafetos, as injúrias. E pelo direito de me reconhecer filha da terra, digo que o meu povo também me reconhece.

Observação: a propósito da relação entre diálogo e ancestralidade, apresentei (na ocasião) textos poéticos em alguns livros de minha autoria: Canto Mestizo (1999), Tear da palavra (2007), Contrapontos da literatura indígena contemporânea no Brasil (2013), Fios do tempo (2021), e na Antologia Poesia para mudar o mundo, v. 1, da Blocos Editora (versão e-book, 2013 e versão impressa, 2019).

Notas:

(*) CONVERSAS SOBRE LITERATURA III, no Auditório do IL-UnB (ICC-Sul, BSS-099), as 16h do dia 13 de abril de 2023.

1) Davi Kopenawa. A queda do céu. São Paulo: Companhia das Letras, 2015, p. 65.

2) Graça Graúna e Viviane Maia. A palavra habitada: a enunciação narrativa de um xamã em “A queda do céu”. Revista Verbo de Minas, v. 20, n. 36, p. 48-58, dez. 2019.

3) Enquanto eu escrevia este relato, troquei ideias sobre diálogo e ancestralidade com a pesquisadora Randra Kevelyn Barbosa Barros (via WhatsApp), 13/04/2023.

4) No canal You Tube, conferir o vídeo de Cristian Wariu (@cristianwariu), sobre o tema da maior mobilização indígena do Brasil: “O futuro é indígena”. Acesso em 13.04.2023.

Pelo fortalecimento dos povos indígenas (I)

FUNAI passa a se chamar Fundação Nacional dos Povos Indígenas

Foto: Mario Vilela/Funai

Matéria: Assessoria de Comunicação/Funai

O órgão federal responsável pela política indigenista brasileira passou a ser denominado Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). A mudança consta na Medida Provisória nº 1.154, de 1º de janeiro de 2023, que estabelece a organização dos órgãos da Presidência da República e dos ministérios.

Criada por meio da Lei nº 5.371, de 5 de dezembro de 1967, a Funai é a principal executora da política indigenista do Governo Federal. Sua missão institucional é proteger e promover os direitos dos povos indígenas no Brasil. Antes vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, a autarquia integra agora a estrutura do recém-criado Ministério dos Povos Indígenas.

Cabe à Funai promover estudos de identificação e delimitação, demarcação, regularização fundiária e registro das terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas, além de monitorar e fiscalizar as terras indígenas. A Funai também coordena e implementa as políticas de proteção aos povos isolados e recém-contatados.

É, ainda, seu papel promover políticas voltadas ao desenvolvimento sustentável. Nesse campo, a Funai promove ações de etnodesenvolvimento, conservação e a recuperação do meio ambiente nas terras indígenas, além de atuar no controle e mitigação de possíveis impactos ambientais decorrentes de interferências externas às terras indígenas.

Compete também ao órgão estabelecer a articulação interinstitucional voltada à garantia do acesso diferenciado aos direitos sociais e de cidadania aos povos indígenas, por meio do monitoramento das políticas voltadas à seguridade social e educação escolar indígena, bem como promover o fomento e apoio aos processos educativos comunitários tradicionais e de participação e controle social.

A atuação da Funai está orientada por diversos princípios, dentre os quais se destaca o reconhecimento da organização social, costumes, línguas, crenças e tradições dos povos indígenas, buscando o alcance da plena autonomia e autodeterminação dos povos indígenas no Brasil, contribuindo para a consolidação do Estado democrático e pluriétnico.

Indígena na Presidência

Pela primeira vez em 55 anos de história a Funai [é] presidida por uma mulher indígena. A advogada Joenia Wapichana [está] à frente da Fundação. Joenia tem bacharelado em Direito pela Universidade Federal de Roraima (UFRR) e Mestrado em Direito Internacional pela Universidade do Arizona. Natural de Boa Vista, estado de Roraima, acumula uma longa trajetória de defesa dos povos originários. Ela foi a primeira mulher indígena a exercer a advocacia no país e também a primeira deputada federal indígena do Brasil.

NOTA: para atualizar esta noticia, eu (Graça Graúna) empreguei os verbos ser e estar, no presente (Cf. último parágrafo) com referência à data em que a advogada indígena Joenia Wapichana foi nomeada presidente da Funai em 01/01/2023.

Direitos Humanos: desejo, ação e reflexão

“…entendemos que o trabalho com Direitos Humanos transita entre o desejo, a ação e a reflexão. Esse triângulo conduz a muitas dimensões presentes na vida de quem vive intensamente a experiência humana. Entendemos que uma experiência dessa natureza tem sempre a companhia de muitos sujeitos. Daí que só podemos contá-la em cojunto porque elas tratam de histórias que vivemos na companhia do outro. [Essa experiência] carrega o modo singular de estar no mundo e, para nós, carrega também o modo coletivo de estar com o mundo. Essa condição de humanidade que envolve a todos/as que trabalhaaam com os Direitos Humanos é prova da inseparalidade entre pensamento e ação”. (Os Autores)

Imagem: G.Graúna

“Em CD, documento histórico para fãs e colecionadores do show “Direitos Humanos no Banquete dos mendigos”, produzido por Jardes Macalé e Xico Chaves, em 10 de dezembro de 1973″.