Rio+20: Lideranças indígenas reclamam da falta de apoio de Dilma
Cacique Marcos Xukuru
Imagem extraída do site: www.diariodenoticias.com.b
Fonte: JC e-mail 4523, de 21 de Junho de 2012.
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Lideranças reclamam da falta de atenção da presidente Dilma Rousseff nas propostas indígenas – protagonistas da conservação da biodiversidade – na Conferência sobre Desenvolvimento Sustentável, Rio+20. O presidente do Conselho Indígena de Roraima (CIR), Mário Nicácio Wapichana, observa um retrocesso do Estado e do governo no apoio às políticas voltadas para as comunidades indígenas. A Secretaria Geral da Presidência da República contesta as informações.
“Questionamos o fato de todos os povos indígenas não terem sido recebidos [pelo governo], não apenas na Rio+20, mas em outros momentos. Isso é ruim. Como um país que está contribuindo na realização da Rio+20 não recebe os seus primeiros povos”, declarou.
Segundo ele, antes mesmo do início de Dilma Rousseff na Presidência da República, os indígenas solicitavam a presença dos seus direitos, como políticas públicas, educação, saúde e demarcação de terras na pauta do governo. As demandas indígenas praticamente estacionaram no governo de Luiz Inácio Lula da Silva. “O Lula parcialmente atendeu às necessidades dos indígenas. Ele não cumpriu com o que prometeu em sua campanha”, disse.
A luta agora é aproveitar a visibilidade da Rio+20 para chamar a atenção das delegações da Organização das Nações Unidas (ONU) para os problemas indígenas. “Que garantam os direitos dos povos indígenas, como a terra, a vida e a saúde que saiu do comando da Funai [Fundação Nacional dos Índios] e hoje está pior. São políticas que precisam ser trabalhadas com vigor e com o teor de responsabilidade do governo”, defendeu.
Outro lado – Consultada, a Secretaria Geral da Presidência da República disse, por intermédio da assessoria de imprensa, não existirem problemas de diálogos entre o governo e os indígenas de forma geral. Sem querer falar sobre as propostas indígenas apresentadas para Rio+20, a assessoria disse desconhecer tais sugestões. A Secretaria também reconhece a impossibilidade de conversar com todas as lideranças que representam 220 povos diferentes e a “existência de problemas individuais”.
A assessoria de imprensa destacou que o ministro da pasta, Gilberto Carvalho, conversou com algumas lideranças indígenas esta semana. Um exemplo foi o encontro com manifestantes que vivem em Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio, onde “teve participação definitiva” na solução de problemas dos povos que moram lá. Eles protestavam contra a retirada da comunidade ameaçada de remoção pelo plano de obras das Olimpíadas de 2016.
A imprensa noticiou que a Secretaria Geral da Presidência da República combinou um encontro entre os manifestantes e os representantes da ONU e do governo federal no Riocentro. Nesta quinta-feira (21), alguns indígenas entregaram um conjunto de reivindicações às delegações da ONU no Riocentro.
Acordo internacional – O presidente do Conselho Indígena de Roraima defende também o respeito e a execução das medidas no âmbito da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que responde pelos direitos indígenas e tribais no mundo. Ratificado pelo Congresso Nacional há mais de cinco anos, o Governo Federal ainda precisa regulamentar os procedimentos de consultas sobre normas legislativas que de alguma forma possam afetar os indígenas, por exemplo. “Que façam justiça social e ambiental funcionarem”, destacou ele, reconhecendo avanços na vida dos indígenas nas últimas décadas. “Mas ainda tem muita coisa para ser feita”.
Dentre as sete metas da Convenção 169, a principal é a que obriga a realização de consulta aos indígenas diretamente em cada comunidade. Em Roraima, por exemplo, são 405 comunidades indígenas. Ele critica as práticas que vem ocorrendo. “Reunir as lideranças em um grande evento para serem consultadas. Isso não é consulta”, defendeu.
Em outra frente, Debora Tanhuane, 37 anos, líder do povo Umutina do Médio Norte do Mato Grosso (MT), chama a atenção para o desmatamento e diz ser importante encontrar uma solução para as mudanças climáticas que estão ocorrendo no mundo, para a poluição dos rios e o desrespeito com os povos indígenas no Brasil. “Que os indígenas tenham os mesmos direitos”, disse ela, também presidente da Associação das Mulheres Umutina.
Mesmo que algumas comunidades vivam hoje em condições melhores em Mato Grosso do Sul, em relação a outras comunidades, com terras demarcadas, florestas em pé, com fauna e flora ainda intactas, existem vários problemas. Tais como intensidade de plantio agrícola com agrotóxicos e devastação das florestas pela soja e cana-de-açúcar. “Precisamos de uma política voltada para a auto-sustentabilidade, de políticas que garantam o auto-sustento, de geração de renda e o respeito às nossas terras que estão querendo reduzi-las”, disse.
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(Viviane Monteiro – Jornal da Ciência)
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Rio+20: Povos indígenas querem inserir suas demandas nos três eixos do desenvolvimento sustentável
Mesa de diálogo promovida pela Inbrapi discutiu avanços, conhecimento tradicional, diálogo com a ciência e identidade.
O Instituto Indígena Brasileiro para Propriedade Intelectual (Inbrapi) abriu sua programação na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, Rio+20, ontem (14), na Escola de Cinema Darcy Ribeiro, no Rio de Janeiro, com propostas de diálogos com ênfase no protagonismo dos povos indígenas e comunidades tradicionais na construção de um futuro sustentável.
As discussões da mesa ‘Povos Indígenas e Sustentabilidade Econômica, Ambiental e Cultural: Rio+Quanto?’ giraram em torno de desafios e expectativas desses povos para inserir suas demandas nos três pilares do desenvolvimento sustentável: econômico, social e ambiental. Rute Andrade, secretária-geral da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), conta que o evento promoveu “um diálogo entre povos indígenas e comunidades tradicionais com os cientistas, no sentido de que haja uma parceria realmente”. Edna Castro, socióloga e professora do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará, destacou a presença de índios Kaingang do Rio Grande do Sul, e guaranis, além de índios do Mato Grosso, alguns deles estudantes de pós-graduação em grandes cidades.
Uso do conhecimento tradicional – Fernanda Kaingang, diretora executiva do Inbrapi e que atuou como moderadora da mesa, comenta que o Rascunho Zero da Rio+20 cita a questão do conhecimento tradicional, mas não menciona, por exemplo, discussões cruciais como a repartição de benefícios e o consentimento prévio informado para pesquisas. “O uso de conhecimento tradicional sem a repartição e sem o consentimento é apropriação indevida”, ressalta. “Eles têm alguns conhecimentos sagrados que não podem ser divulgados, mas o conhecimento que pode ajudar significa soluções para os dilemas que estamos enfrentando. Eles estão entrando nas universidades para serem ouvidos”, destaca Rute.
Nesse sentido, Edna lembrou a dificuldade da sociedade ocidental, “de formação colonial, patrimonialista e autoritária”, de perceber o conhecimento “do outro”. “Ao longo dos séculos, houve uma produção de invisibilidade, que colocou o conhecimento e culturas de povos indígenas e quilombolas na obscuridade. Nossa ciência é tributária do conhecimento ocidental e, por isso, incapaz de perceber o que está fora de seu universo”, destaca.
Edna reforça que questões atuais como as mudanças climáticas, os desastres naturais e o esgotamento dos modelos de crescimento podem receber contribuições desses povos. “Eles querem a academia ao lado deles para poderem lutar pelo que eles acreditam e manter a conservação da biodiversidade, que vem deles e não de nós”, acrescenta Rute.
Diferentes sistemas – “O diálogo de saberes é importante, porém, numa dimensão democrática, sem o olhar autoritário [da ciência], e sim com reconhecimento de valores de igual para igual”, sublinha Edna. A socióloga também destaca o estabelecimento de uma nova forma de os índios e comunidades tradicionais se colocarem na sociedade. “Esses povos, hoje, no Brasil e no mundo, trazem afirmação política importante que faz com que relativizemos a questão da ciência”, argumenta.
Além disso, Edna sublinha que esses saberes tradicionais não representam apenas conhecimento, mas também sistemas de conhecimento. “Com esses sistemas eles conseguiram, ao longo de milênios, sobreviver e produzir cultura, além de resolver seus problemas de alimentação, saúde ou ecologia. São multiconhecimentos, que não podemos homogeneizar, apesar de a ciência e a filosofia nos ensinarem que há apenas uma epistemologia dominante”, detalha.
A socióloga também pontua a questão da territorialidade, intimamente ligada com a identidade. “A identidade como grupo se refere ao território. A forma de se afirmar politicamente e as redes de ações políticas são discussões de territorialidade, assim como a delimitação e defesa do território e a luta para manter a história e a memória”, explica. “O Brasil não entende o que significa o território para os índios. Há muito não se delimita o quanto deveria ser feito. Eles desejam passar essa questão do porquê da territorialidade, que é crucial para existência de cada povo”, complementa Rute.
No entanto, Edna destaca um fenômeno novo no País, no qual o elemento identitário está deixando de desaparecer entre os indígenas que vão para as cidades. “A cidade não é mais suficientemente forte para apagar essas identidades e, com isso, esses povos se tornam mais visíveis, apresentando inclusive um orgulho de afirmação”, assegura.
Para Fernanda, “o debate foi muito frutífero”. “A gente vê a interação dos diferentes setores do diálogo como a forma mais provável de conseguir melhorar a legislação. E vemos as pesquisas como algo a serviço da sociedade, essencial para o desenvolvimento sustentável”, opina. “O aspecto positivo é que foi realizado um sonho de ter uma roda de conversa entre a comunidade científica e os povos indígenas para aparar complicações e desentendimentos e estabelecer uma parceria. A gente sempre pode lutar por eles e eles podem lutar junto com a gente”, conclui Rute.
(Clarissa Vasconcellos – Jornal da Ciência)
Fonte: JC e-mail 4519, de 15 de Junho de 2012.
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