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Quem disse que a saudade não se mede?
Minha saudade é assim:
maior que as tranças da minha vó,
maior que um monte de areia do mar,
bem maior que o mundo
Graça Graúna (indígena potiguara/RN),out. 2007
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Quem disse que a saudade não se mede?
Minha saudade é assim:
maior que as tranças da minha vó,
maior que um monte de areia do mar,
bem maior que o mundo
Graça Graúna (indígena potiguara/RN),out. 2007
Servindi, 15 de janeiro de 2021.- “Há um mundo melhor se você vê com o coração, há um mundo melhor se aprendemos a falar com as plantas” é a mensagem que meninos e meninas cantam na última produção da Rádio Ucamara.
O videoclipe contou com o apoio do concurso INNOVATE PERÚ, promovido pelo Ministério da Produção, que apoiou ações de comunicação durante a emergência sanitária.
A produção se intitula “MÃES” em referência às plantas e seu poder que se revelam diante de nós para não nos deixar órfãos em tempos em que a morte e a doença nos surpreendem.
“Elas nos protegeram, elas responderam a nós. Elas entraram em nossas casas, de mãos dadas com a sabedoria de nossas avós, de nossos idosos, para nos limpar por dentro, para nos curar, para nos tratar e nos proteger”, explica Rádio Ucamara.
“No seio mais íntimo de nossas famílias, de nossas comunidades preparamos nosso chá de sacha, alho, grapefruit, nosso cordoncillo. Com elas, o mal nos encontrou com um sistema imunológico forte, capaz de enfrentá-lo, em meio à indiferença de um sistema de saúde ausente e atrasado “.
“As plantas medicinais têm sido a resposta que os povos indígenas têm dado às nossas próprias comunidades e ao mundo, a sua resposta correcta e amorosa ao mesmo tempo denuncia a urgência de um verdadeiro modelo intercultural de saúde que valorize e respeite a sabedoria do nosso povo, nossa memória, nossa história “.
“Nós, povos, sentimos isso. As mães das plantas nos revelam, seus espíritos abrigam e cuidam de nós, sua força permanece quando mais precisamos delas.
“Elas vêm até nós em sonhos, nos guiam, nos avisam” e esse conhecimento continua passando de geração em geração. “Os sonhos ainda são o espaço sagrado de encontro.”
“E também nos pedem respeito, reciprocidade, justiça. Curar, curar, não é do corpo, é da alma, é da sociedade, é do território. Explorar-se mutuamente, saquear nossa terra, é morte”.
“As plantas medicinais têm sido o sinal de vida, resistência e esperança de nossos povos, que, em meio a tantas pandemias, resistimos a não desaparecer”, finaliza a Rádio Ucamara.
Sobre a Radio Ucamara
A Rádio Ucamara é uma rádio comunitária, localizada em Nauta ao sul de Iquitos (Loreto), que nasceu com o objetivo de resgatar a língua, a cultura e a identidade do povo Kukama.
Nasceu com o impulso e direção do comunicador indígena Leonardo Tello Imaina e se destaca por ações poderosas do rádio e da comunidade, com a participação de meninos, meninas, adolescentes e idosos.
Alcançaram a fama com o vídeo Kumbarikira que se tornou viral nas redes e, desde então, criaram produtos audiovisuais musicais de alto impacto em que convergem sonhos, histórias, conhecimentos e a linguagem que ameaçavam desaparecer.
“Para um único coração”
Tradução livre: Graça Graúna
Faço uma tradução livre da notícia que a Servind publicou em 29 de outubro de 2020, a respeito de uma canção composta por três crianças indígenas da etnia Kukama; localizada em Loreto (Amazônia peruana). A canção reflete a experiência das crianças indígenas sobre o “corona vírus”. Segue , então, a notícia e o vídeo que foi produzido pela Rádio Ucamara.
A canção intitulada “Para um único coração”, ou “Iatsaku”, reflete as experiências de três crianças indígenas Kukama, durante a quarentena, diante da medida imposta pelo Estado para controlar a disseminação do corona vírus. O vídeo foi produzido pela Rádio Ucamara.
Os autores da música contam que apesar da pouca idade, enfrentaram esta tragédia – a pandemia – com paciência e muita força. “Somos crianças com um coração muito forte. Criamos uma música de coragem para unir as pessoas e construir tempos melhores”, dizem os pequenos compositores da música.
As crianças Kukama são consideradas pequenos heróis, porque enfrentaram não apenas o corona vírus e o isolamento social; enfrentaram também a fome e o abandono do Estado. Apesar disso, elas não perderam a esperança de construir uma sociedade onde não haja mais morte e violência.
Vejam a narrativa de Juan Carlos Ruiz Molleda (no Facebook) e suas impressões sobre o vídeo das crianças Kukama:.
(Por Juan Carlos Ruiz Molleda)
Martín (9 anos) relata que durante a quarenta descobriu sua paixão pelo desenho e que também aprendeu a valorizar o silêncio, porque ouvia o canto dos pássaros e sapos. Por sua vez, Melissa (11 anos) confessa que a quarentena a obrigou a se distanciar dos primos e amigos, o que lhe causou muita tristeza; mas entendeu que era preciso cuidar da família. Ela disse: “Agora você sabe que a distância não separa os corações”. María Celeste (8 anos) diz que seu avô lhe ensinou tudo sobre a força das plantas. Ele comenta que as pessoas de sua comunidade não morreram, porque fizeram uso dos preparos vegetais. As crianças Kukama enfrentaram essa nova experiência com sua sensibilidade e perspectiva de ver o mundo. Embora estejam um pouco assustadas, elas não perderam as esperanças de superar esta situação.
Essa é outra forma de contar sobre o impacto da pandemia, por meio do vídeo e da música. Desta vez, pelas crianças indígenas Kuakama dos Marañón; como exlica o diretor da Rádio Ucamara, Leonardo Tello Imaina.
“Eu sonhei com o meu avô, e naquele sonho ele me disse algo quando estava vivo: _ Você tem um coração muito forte_. Agora, só posso entender por que ele sempre me disse isso. Miguel Ángel nos contou, quando perguntamos às crianças, como eles viveram durante a quarentena. Jack esfrega as mãozinhas nos olhos, que se encheram de lágrimas, como se expulsasse tudo o que há muito estava guardado. Ele disse que seus primos ficaram sem a mãe e que era muito triste. “Mamãe, quem vai cuidar de nós se você e meu pai estão morrendo porque estão infectados com COVID19?” _ Martín, de 9 anos, perguntou à mãe.
Quantas coisas terão passado pela sua cabeça até você chegar a essa questão!
“Quando olhei para a rua, estava tudo vazio e escuro”, diz Miguel. Nesse momento, comecei a desenhar e criar quadrinhos e personagens, percebi que sou bom com meu lápis. Com a quarentena veio o silêncio. “No silêncio, você pode ouvir os pássaros, os sapos.”
Na TV, todos os dias havia notícias de mortos, que em todos os países havia gente morrendo e isso dava medo: “Não queria que nada acontecesse com minha família”, conta Melissa. Com a quarentena veio o medo, uma angústia que não tinha explicação, uma rotina que tinha muitas proibições. Também na Amazônia, muitas famílias que moram na cidade optaram por se isolar e voltar para suas aldeias. “Lá a gente tomava banho no barranco, comíamos o caimito [um fruto] que já estava caindo. Os cantos dos bichos faziam a gente sentir como se nada estivesse acontecendo”, conta Jack; que deixou sua casa em um assentamento na cidade, para ir para sua comunidade . Com a quarentena veio o distanciamento.
“Minha mãe fez um chá com alho, “grapefruit, kion”. Lavávamos as mãos muito bem e cuidadosamente. Aquele chá estava muito feio, mas mesmo assim bebi porque não queria pegar. Um dia, a febre e a tosse apoderaram-se de mim e com aqueles chás que a minha mãe nos deu estamos curados ”, diz María Celeste (de 8 anos). Na minha comunidade, durante a quarentena, meu avô me explicou sobre as plantas e para que serviam. Não houve atendimento no posto médico e todos nós tomamos o chá preparado com vegetais e ninguém morreu.
“Eu cuidei do meu irmão mais novo, porque meus pais saíram para trabalhar.” Muitas crianças na Amazônia ficaram com fome, outras não conseguiram se conectar as aulas virtuais. Alguns caíram na luta contra a pandemia. Muitos nasceram, rompendo com o grito, o silêncio, como uma canção de nova vida.
“Queremos ver de novo as pessoas que amamos, embora tenhamos nos afastado, nossos corações não se separaram. Não gostamos de usar máscara, mas podemos ver com os sinais dos olhos, quando as pessoas estão rindo ”.
As crianças da Amazônia viveram essa pandemia de seus sonhos, de sua história, compreendendo com sua sensibilidade e suas formas de ver o mundo, como o medo e a dor tomaram conta do planeta. Eles também sentiram abandono, injustiça, estômagos vazios. Na Amazônia, muitas crianças sofrem de anemia severa, seus corpos também apresentam alergias e hematomas pela poluição e indiferença. Mas seus rostos são também as mesmas razões para a humanidade insistir em novos modos de ser, de conviver ao sair desse confinamento.
Os meninos e as meninas têm “um coração muito forte, não importa que sejam pequenos”; quer pela esperança, pelo canto, pela coragem de grandes heróis nestes tempos é possível unir corações e construir tempos melhores.