CIDH: medidas cautelares em favor dos povos indígenas no Brasil

Fonte: Servindi. Foto: Survival International. Tradução livre: Graça Graúna

Os povos indígenas Guajajara e Awá da Terra Indígena Araribóia, no Brasil, receberam medidas cautelares da CIDH. A mudança representa uma derrota para o presidente Jair Bolsonaro.

Servindi, 14 de janeiro de 2021. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) adotou medidas cautelares em favor dos povos indígenas Guajajara e Awá no Brasil.

Nesse sentido, solicitou ao Estado brasileiro que adote “as medidas necessárias para proteger os direitos à saúde, à vida e à integridade pessoal” dos membros de ambos os povos da Terra Indígena Araribóia .

A medida – de acordo com o dispositivo da CIDH – deve ser implementada a partir de um enfoque culturalmente adequado, com medidas preventivas contra a disseminação da COVID-19.

Da mesma forma, o Estado deve prestar assistência médica adequada “em condições de disponibilidade, acessibilidade, aceitabilidade e qualidade, de acordo com as normas internacionais aplicáveis”.

 Além disso, as medidas que forem executadas serão acordadas com os beneficiários e seus representantes.

Situação de risco

Ao solicitar as medidas cautelares, os povos indígenas Guajajara e Awá alegaram que “estão em situação de risco no contexto da pandemia COVID-19”. Além disso, a Comissão destacou a vulnerabilidade do povo Awá, em isolamento voluntário.

Diante disso, em sua decisão a CIDH não só considerou o contexto da pandemia, mas também “uma suposta situação histórica de violência contra membros dos povos indígenas Guajajara e Awá em decorrência de atividades de defesa de seus direitos”.

“Nesse sentido, a Comissão observou as informações prestadas pelos indígenas sobre diversos assassinatos ocorridos ao longo dos anos, identificando pelo menos 5 recentemente”, alerta.

Da mesma forma, a CIDH observou que os planos elaborados pelo Estado em favor dos povos indígenas eram de caráter geral e não especificavam como eram executados e se eram eficazes.

Uma derrota para o Bolsonaro

A decisão da CIDH constitui uma derrota para o presidente brasileiro Jair Bolsonaro, cujo governo teria “espalhado informações falsas, criando um clima de animosidade contra o povo Guajajara, com denúncias de ‘crimes de dano à pátria’”.

Em setembro de 2020, seu atual primeiro-ministro do Gabinete de Segurança Presidencial, Augusto Heleno, acusou a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) de estar por trás do site defundbolsonaro.org.

Heleno, através da sua conta no Twitter, chegou a dizer que o “site da APIB está associado a vários outros, que também trabalham 24 horas por dia para manchar a nossa imagem no estrangeiro, num crime de prejuízo à pátria”.

Pankararu: pelo respeito e pelo direito!

Imagem: Socioambiental
Texto coletivo Pankararu 


O povo Pankararu, do sertão pernambucano, hoje localizado entre os municípios de Tacaratu, Petrolândia e Jatobá, tem como primeiro registro de aldeamento em 1700, de acordo com a carta régia de 1703. Com 100 anos depois da criação do agrupamento do Brejo dos Padres, em 1877, Dom Pedro II, em viagem pelo Rio São Francisco fez a doação de uma sesmaria, ou seja, uma légua em quadra, 14.294 hectares marcada a partir da igreja que está no Brejo dos Padres.  Esse foi o forte argumento para o reconhecimento étnico e para dar inicio ao processo de demarcação. Em 1940, no entanto, os limites das terras reivindicados não foram respeitados e o território foi reduzido de mais de 14.000 hectares iniciais por 8.100 hectares oficialmente reconhecidos. O povo Pankararu intensificou a batalha na justiça pelo reconhecimento correto de seu território e pela saída de posseiros de suas terras.
Em 1984, a FUNAI propõe ao órgão corrigir a diminuição realizada em 1940, elevando o tamanho territorial para 14.294 hectares,  no entanto, até hoje o território Pankararu continua sendo de 8.100 hectares. Apenas em 1993, por força de uma ação civil pública movida pela Procuradoria da República, a Justiça decide pela retirada de doze famílias de posseiros, identificados como suas principais lideranças, na tentativa de viabilizar as demais retiradas, mas os posseiros recorrem e ganham a suspensão da decisão, voltando a situação indefinida anterior, um processo que já dura 25 anos e percorreu as três instancias de justiça do país e em todas as demais decisões se deu ganho de causa ao povo Pankararu.
Em 14 de fevereiro de 2017, o juiz da 38 Vara Federal de Serra Talhada, determinou o cumprimento da execução pela saída imediata dos posseiros, dando um prazo máximo de 12 meses para concluir a desocupação das mais de 300 famílias de não indígenas que hoje ocupam 20% do território Pankararu. Agora, em 2018, determinou a saída dos posseiros por força policial e determinou que a PF e PM executasse a retirada sob pena de multa diária de R$ 2,000 a cada dia que a ordem não for executada. Em março de 2018, a Justiça Federal estendeu, novamente, o prazo por mais 45 dias para a saída de forma pacífica por parte dos posseiros, mas poucos aceitam os termos de acordos, as indenizações e os novos territórios onde serão alojados e a demora dos órgãos competentes em atender as demandas dos posseiros está a cada dia colocando indígenas e posseiros em risco.
Os órgão competentes precisam agilizar essa desocupação de forma organizada e digna para aqueles que irão sair e não deixar que esse prazo acabe se estendendo por mais 25 anos. Os conflitos locais entre posseiros e indígenas estão cada vez mais reais e se instala uma sensação de guerra no ar. As lideranças indígenas tem suas casa vigiadas por câmeras de segurança e não deixam a aldeia sozinhos e muitos deles preferem não sair da aldeia, pois nas cidades vizinhas o discurso de ódio contra o povo Pankararu está a cada dia aumentando e gerando desconforto e insegurança em todos  que se identificam como indígena. Poucos sabem a realidade, a história e as batalhas que o povo Pankararu vem bravamente resistindo por séculos de opressão e injustiças sociais e hoje, depois de 25 anos de espera pela garantia de posse total de seu território, ainda não se pode comemorar a conquista. Hoje os Pankararus são cerca de 7.200 pessoas em 8.100 hectares de reserva, daqui 50 anos serão mais 7, 8 mil indígenas dentro do mesmo território. Que o direito a terra seja garantido para essa e as próximas gerações e que encontremos uma forma saudável de convivência, indígenas ou não, baseados no respeito e na paz entre todos.

Defesa do povo Xukuru na Corte Interamericana de Direitos Humanos

As violações de direitos Humanos ao Povo Xukuru serão julgadas na Corte Interamericana de Direitos Humanos
 
 Imagem: unicap.br
Luis Emmanuel Barbosa Cunha[1]
Manoel Severino Moraes de Almeida[2]
O Povo Xukuru será ouvido na Corte Interamericana de Direitos Humanos. No período de sessões da Corte, de 10 a 28 de março de 2017, um dos casos mais emblemáticos de violação coletiva de Direitos Humanos ocorrido no Brasil finalmente dará um passo decisivo em busca de uma sentença de mérito favorável à luta indígena no Brasil e nas Américas.
O caso Xukuru chegou ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos, a partir da Comissão Interamericana de Direitos Humanos em 2002, marcado por alto grau de violência física, étnica, moral e simbólica contra os indígenas realizado pelo Estado brasileiro em seus atos comissivos e omissivos em não completar o processo de demarcação com a posse tranquila pelos indígenas de suas terras ancestrais. Com efeito, o Povo Indígena Xukuru aguarda há tempos a demarcação de suas terras, inicialmente prometida pelo Império brasileiro, desde que os xukurus participassem da Guerra do Paraguaia em favor do Brasil. A promessa do Império não foi cumprida, bem como permanece inadimplente a República em seu Estado Democrático de Direito.
Desde o início formal do processo administrativo de demarcação, há 29 anos, ainda existem não índios intrusados na terra, além de grandes perdas pessoais: o assassinato do grande líder Cacique Xicão, que liderou a ação proativa dos Xukurus na retomada de suas terras ancestrais, de Chico Quelé e de Geraldo Rolim, por exemplo. A tentativa de assassinato do Cacique Marquinhos também foi um momento de tensão. Hoje ele e Dona Zenilda, sua mãe, vivem ainda sob a proteção do Programa Estadual de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos.
Desde já, todo nosso apoio e solidariedade ao Povo Xukuru e aos peticionários: Justiça Global, CIMI, GAJOP e Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que têm feito um grande trabalho desde a primeira petição de mérito e cautelares junto à CIDH lá em 2002. Nesse caso emblemático, não está em jogo apenas o debate sobre o direito de propriedade, está também em jogo o respeito a um projeto de vida coletivo, extremamente importante para preservação de matas, das águas, das sementes caboclas e de uma cultura, enfim, para uma vida humana em pleno equilíbrio com a natureza; está em jogo o direito à vida e à integridade física; está em jogo o direito à autodeterminação dos povos e a liberdade de se expressar como lhe convém; está em jogo o reconhecimento dos Direitos Humanos como um fenômeno vivo e interdependente.
[1] Doutorando na pós-graduação em Direito pela UFPE
[2] Ex-membro da Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Helder Câmara de Pernambuco