Marcha indígena por terra e justiça em Dourados

 Imagem extraída da Adital
Fonte: Adital e Egon Dionísio Heck (Assessor do CIMI, Mato Grosso do Sul)
Madrugada. O fogo na entrada dos acampamentos começa a receber mais gente. É hora de se aquecer um pouco e partir para os rituais de benção e batizado dos documentos da Aty Guasu. Eles serão levados a Dourados, para a marcha e posterior entrega às autoridades. A principal avenida da cidade será tomada pela “gente cor da terra”, os primeiros habitantes da região estarão fazendo ecoar seus gritos de “queremos nossas terras”, “exigimos justiça”, “exigimos respeito e dignidade”. http://www.youtube.com/watch?v=csyNRH0aFx4
Mas de 500 Kaiowá Guarani e Terena, percorreram mais de três quilômetros da região central da cidade na Av. Marcelino Pires. Cantando e manifestando sua indignação e esperança, vão andando alegremente pela avenida. Chamam atenção do comercio e transeuntes pelas vestimentas rituais, cocares, colares, pinturas…faixas e cartazes. Distribuem o folheto “Em Defesa dos Povos Indígenas de Mato Grosso do Sul”. Ali constam os índices alarmantes da violência em que se debatem as comunidades Kaiowá Guarani, confinadas ou acampadas à beira das estradas da região. “Não podemos aceitar calados e passivos tanta violência e impunidade. A sociedade precisa reagir a tanta infâmia e injustiça contra nossos irmãos indígenas, tratados pelo governo do estado de forma parcial e injusta”. E as chamadas nos dão a dimensão da gravidade da situação “Violência e Barbárie estão às soltas em MS”, ” A difusão do preconceito é uma das armas do latifúndio”. Ao receberem o folheto, as reações dos cidadãos eram bem diversas. Alguns demonstravam seu tímido apoio à manifestação e outros expressavam sua contrariedade, movidos pelo preconceito secular e ideologia racista. A marcha prosseguiu por quase duas horas, até chegar ao prédio da Funai. Entraram na sede do órgão e dentro dele fizeram um rápido ritual para trazer os bons espíritos ao local e afastar tudo que possa prejudicar os direitos indígenas. Na parte inferior do prédio estava um grande pôster em que o então presidente Lula e vários ministros fizeram a entrega do premio de Direitos Humanos dados aos povos indígenas do Mato Grosso do Sul, através do Conselho da Aty Guasu. A estatueta foi levada ao centro da manifestação, para chamar atenção a esse importante reconhecimento da luta Kaiowá Guarani por seus direitos.
  Imagem extraída da Adital
Mais violência sem providência
Lide Lopes, de Pyolito Kue, ligou falando de mais um covarde ataque dos pistoleiros, causando uma absurda situação de violência, destruição e pessoas feridas. Por se tratar já da terceira ação violenta que sofreram em menos de duas semanas, entendem ser essa uma obstinada decisão dos senhores do agronegócio, de impedir o reconhecimento das terras tradicionais Kaiowá Guarani no Mato Grosso do Sul.
É uma absurda declaração de guerra, onde de um lado estão homens armados e decididos a atirar, expulsar, destruir enquanto do outro lado está uma centena de homens, mulheres e crianças armados apenas de seu direito de retornar a um pedaço da terra da qual foram expulsos há poucas décadas. Os Kaiowá Guarani estão sendo alvo de uma ignominiosa ação violenta, enquanto o Estado brasileiro se mostra inoperante diante de tais fatos. Será que serão necessários novos massacres para que se tome providências?
Certamente não é por desconhecimento da gravidade da situação que a polícia federal não está se fazendo presente no local. E quando se fez presente (PF-Naviraí) foi acompanhada dos algozes dos índios, para dizer, como noticiou a imprensa, de que não existem índios no local.
Até quando grassará a violência e a impunidade contra os povos indígenas Kaiowá Guarani no Mato Grosso dos Sul.
Povo Guarani Grande Povo
Dourados, 24 de agosto de 2011

Pela vida grita a Terra… Por direitos, todos nós!

  Vários estados brasileiros se mobilizam em atividades para o 17° Grito dos Excluídos (as)
Fonte: Karol Assunção (Jornalista da Adital)
Pela vida grita a Terra… Por direitos, todos nós! É sob esse lema que organizações, movimentos e pastorais sociais se articulam para 17ª edição do Grito dos Excluídos. A mobilização, que acontece desde 1995 durante a Semana da Pátria, chama a população a denunciar as exclusões e a lutar por seus direitos.
De acordo com Ari Alberti, integrante da coordenação nacional do Grito dos Excluídos, a manifestação popular acontecerá em todo o país. Por ser uma atividade descentralizada, ainda não há como fazer uma previsão do número de participantes. Segundo ele, não existem informações sobre a realização da atividade apenas no Acre. “Nos outros estados todos vão acontecer [manifestações]; alguns mais, outros menos”, revela.
A cada ano, o Grito dos Excluídos se consolida não como um evento pontual do dia 7 de setembro, mas como um processo. Isso porque, segundo Alberti, o Grito é um “espaço de formação e informação”. Para isso, promove debates e discussões antes, durante e depois da Semana da Pátria.
De acordo com ele, algumas cidades realizam debates, seminários e pré-gritos desde o mês de junho. E a ideia também é que, após o 7 de setembro, as organizações sociais de cada local possam juntar as reivindicações manifestadas na mobilização para realizar um documento e cobrar das autoridades. “O Grito é um processo conjunto de formação e conscientização para o projeto popular, com ações pré e pós [Grito]”, comenta.
O integrante da coordenação nacional lembra que, por ser descentralizado, não há uma pauta específica de reivindicação, pois as demandas são de acordo com os problemas locais. “A ideia é que cada local possa fluir o grito que faz parte do dia-a-dia”, afirma.
Pela vida grita a Terra… Por direitos, todos nós!
A partir das discussões da Campanha da Fraternidade deste ano, cujo tema foi Fraternidade e Vida no Planeta, a 17ª edição do Grito dos Excluídos traz como lema Pela vida grita a Terra… Por direitos, todos nós! Para Ari Alberti, o lema chama para a discussão tanto sobre o meio ambiente, ameaçado pelo modelo desenvolvimentista e pelas grandes obras, quanto sobre os direitos. “É importante lembrar que saúde, educação, moradia são direitos básicos previstos na Constituição”, comenta.
Para ele, é importante que a população se articule e reivindique seus direitos e mais participação nos debates. “Ou a sociedade se organiza ou os direitos não vão acontecer”, avisa, ressaltando a importância da participação popular para se ter um país independente. “No Código Florestal, por exemplo, por que não se conclama a sociedade brasileira a discutir e decidir?”, questiona.
Realizado desde 1995, o Grito dos Excluídos já faz parte do calendário nacional de ações realizadas durante o dia 7 de setembro. De acordo com Alberti, a mobilização conseguiu mudar a ideia de Semana da Pátria e questionar sobre o Dia da Independência. “Mesmo quem não concorda, sabe que existe uma atividade diferente das marchas oficiais”, destaca.

Vida e morte nos caminhos Guarani

Imagem: Adital
Fontes: Egon Dionísio Heck –
assessor do Conselho Indigenista 
Missionário (CIMI) e  ADITAL
Companheiros(as) de estrada…, de partida e de chegada!
Vários e importantes momentos estão previstos para esta semana. Em Brasília, se realiza, nesta segunda-feira (15/08/11), a primeira reunião da Comissão do Conselho Nacional de Justiça, que visa contribuir com a solução dos problemas da não demarcação das terras indígenas no Mato Grosso do Sul. Em Campo Grande o Seminário Povos Indígenas e Sustentabilidade – Saberes Tradicionais e formação acadêmica, na Universidade Católica Dom Bosco, estará propiciando um amplo espaço de informação, intercambio e debate, com a presença de lideranças indígenas da região, de várias partes do Brasil e de outros países como Colômbia e Peru. E a grande expectativa com relação às áreas de retomada de Pyelito Kuê e Mbarakay, no município de Iguatemi. Haverá também a mobilização de mais de quinhentos Guarani-Kaiowá na Aty Guasu em Passo Piraju, município de Dourados, de 19 a 22 de agosto. O encerramento será em Dourados com mobilização pública, caminhada pelos direitos indígenas, pela vida e pela terra, contra a violência e impunidade.

Abraços
Egon

Foram mais de mil quilômetros andados pelas aldeias e acampamento Kaiowá-Guarani, na fronteira com o Paraguai. Ali a vida anda de vagar, e a morte espreita nas esquinas da estrada.
Em todos os lugares em que chegávamos entregávamos uns papeis muito singelos. Eram os convites para a Aty Guasu no Passo Piraju. Oportunidade ímpar para rever os amigos, sentir o pulsar forte do coração Kaiowá-Guarani em suas diversas circunstâncias. Momento de ouvir palavras sábias do Nhanderu Atanásio, de sentir a alegria do grupo do Ypo’i, para os quais levamos material escolar, pois estavam dando aula “apenas com papel sulfite” como nos confidenciou uma liderança. Para eles também entregamos exemplar da revista Mensageiro que traz na capa foto de duas crianças do Ypo’i. À equipe da revista queremos externar, em nome dos Kaiowá Guarani a gratidão por todo o apoio que deram, e dizer que valeu e muito, a divulgação da realidade desse povo através do vídeo Semente de Sonhos, que foi distribuído em vários países da América do Sul.
A lua nos guiou até Kurusu Ambá. Lá chegamos ao entardecer. A comunidade estava reunida, celebrando a importante vitória que conseguiram na Justiça Federal, 3ª. Região, em São Paulo. Por unanimidade os juízes entenderam que a comunidade poderia ficar no local em que estão desde novembro de 2009, quando retornaram a uma pequena mata, do seu tekohá Kurusu Ambá. Foi maravilhoso poder passar a noite marcada pelo ritual e depois o silêncio total, apenas rompido pelos ruídos de alguns animais e aves. A lua cheia à beira do riacho foi um espetáculo à parte. São esses raros momentos de oásis, na turbulência e violência em que se encontram a maioria das aldeias e acampamentos. Eliseu, liderança que representa a Aty Guasu e movimento Kaiowá-Guarani, na Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB construiu, na aldeia, uma casa para receber os visitantes. Passamos aí uma noite maravilhosa. Andar nas trilhas da mata e sentir um pouco do bem viver que procuram aí construir, é um privilégio.
Em Nhanderu Marangatu nos informaram que continua a pressão e violência contra a comunidade e o meio ambiente. Loretito informou que continuam tirando postes da terra indígena, e ameaçando os membros da comunidade. Ele espera que essa situação se resolva o quanto antes. Para isso enviaram documento À comissão do Conselho Nacional de Justiça, que irá tratar especificamente sobre a questão das terras indígenas no Mato Grosso do Sul. A primeira reunião será no dia 15 deste mês, em Brasília. No documento pedem empenho e prioridade para a situação desta terra indígena “por ser emblemática em termos das terras indígena no MS e ao mesmo tempo ser dramática, pois ali vivem mais de mil pessoas em 127 hectares.”
Na Terra Indígena Amambai, participamos de um encontro do Movimento dos Professores Kaiowá-Guarani, que já são mais de 300. Há 17 anos o movimento vem tomando várias iniciativas, dentre as quais o encontro anual, que neste ano será no início de outubro na aldeia de Pirakuá. Discutiram sobre o Território Etnoeducanional do Cone Sul, que abrange as comunidades Kaiowá Guarani. Mas principalmente buscaram fazer uma autocrítica do movimento e traçar algumas estratégias com relação a vários problemas e retrocessos com relação à educação escolar indígena. Repudiaram as palavras discriminatórias e racistas do governador do estado com relação aos direitos, lutas e realidade do povo Kaiowá Guarani.
Destruição dos barracos de Pyelito Kuê e Mabarakaí
Ontem à noite o grupo da retomada, enquanto estavam mudando o acampamento para outro lugar dentro da mesma mata, na fazenda Santa Rita, chegaram capangas da fazenda e destruíram os barracos e levaram o que nelas restava, inclusive, a lona. A Fazenda é de propriedade da família do prefeito de Iguatemi José Roberto Filippe Arcoverde (Midiamax, 14-08-11). Há três dias a polícia federal esteve na sede da fazenda informando da presença dos índios, para que não houvesse violência. Porém os Kaiowá Guarani acampados, que foram vítimas de violência em momentos anteriores, temem que se possa repetir um ataque de pistoleiros. Por esta razão solicitam a presença da polícia federal na região para evitar semelhantes ações.
A um dos membros da Aty Guasu, que desde o inicio da retomada deu total apoio a seus parentes na luta pelo seu tekohá, externou sua confiança de que não haja violência que os órgãos responsáveis pela demarcação e garantia das terras indígenas resolvam a questão das terras indígenas Kaiowá Guarani o mais rápido possível.
Quando da nossa passagem na aldeia de Sassoró nos encontramos com Marcia, esposa de um dos líderes do acampamento. Ela expôs a Eliseu as apreensões e dificuldades do grupo. Além da tensão e temor de ataques, estão necessitando com urgência de alimentos.
Tudo muito estranho
No dia 12 de agosto Emilio Pedro, de 56 anos, do acampamento Guirá Kambi’y, município de Douradina, saiu para trabalhar um pouco no seu roçado. Na manhã do dia seguinte foi encontrado enforcado, próximo a um córrego. A comunidade ficou perplexa. Ele era um dos Nahnderu (lideres religiosos) que com muito entusiasmo e alegria recebia com reza ritual todos os visitantes. Recordo-se de seus gestos acolhedores quando há uma semana, estivemos com a comunidade entregando os convites para a Aty Guasu. Ele era um dos que iriam ao importante evento que estará se realizando na aldeia de Passo Piraju, município de Dourados, de 19 a 22 deste mês.
Um dos conselheiros da Aty Guasu esteve na comunidade, participando do velório e do sepultamento hoje, no dia dos pais. Apenas comentou “Tudo muito estranho”.
Emilio deixou seis filhos e a esposa Vilma Quevedo. Apesar da dor sentida pela comunidade, terão que superar esse sofrimento buscando novas energias para continuarem a vida na luta pela terra, no acampamento. Nós da equipe do Cimi nos solidarizamos com os familiares e a comunidade, na certeza de que a luta continua, e que a vitória da terra está próxima.
Povo Guarani Grande Povo
Dourados, 14 de agosto de 2011.