Estatuto dos Povos Indígenas cria impasse na Câmara

Documento está pronto para ser votado desde agosto de 2009
.
Texto: Cristine Pires para Infosurhoy.com – 21/07/2011
Enquanto o novo Estatuto dos Povos Indígenas aguarda aprovação, segue em vigor a Lei 6001/73 que regulamenta os direitos dos indígenas brasileiros tais como os Bororo-Boe, na foto. (Cortesia de Valter Campanato/Agência Brasil)

PORTO ALEGRE, Brasil – A nova redação do Estatuto dos Povos Indígenas (Projeto de Lei 2057/91) aguarda votação na Câmara dos Deputados há dois anos devido ao impasse na definição dos parâmetros da legislação.

Escrito em 1991, o texto trata de assuntos polêmicos, como normas penais e punições para crimes contra índios, demarcação de terras, uso de recursos florestais e proteção ambiental.
A demora é vista com bons olhos pelos índios e seus defensores, que entendem que o texto está desatualizado, por ter sido escrito ha 20 anos, e também por defenderem que a comunidade indígena seja incluída nos debates.
“O projeto não está apto a ser aprovado”, alerta Roberto Lemos dos Santos Filho, juiz federal titular da 1ª Vara de Bauru (São Paulo), especialista em Direito Indigenista e autor de vários estudos sobre o assunto. “As questões nele tratadas demandam ampla discussão entre os vários segmentos envolvidos, sobretudo os índios, que devem ser ouvidos à exaustão, por serem os destinatários diretos das normas que serão postas.”
A participação dos indígenas no debate está prevista na própria Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil em 19 de abril de 2004. O acordo determina a participação dos povos interessados sempre que se tenha em vista medidas legislativas ou administrativas capazes de afetá-los diretamente.
Santos Filho adverte que, caso os índios não sejam consultados, todo o processo de discussão, redação e votação do Estatuto dos Povos Indígenas poderá ser anulado.

Censo aponta mudança de perfil
“O novo estatuto está desatualizado. Ele precisa de uma nova redação”, reforça Sandra Terena, índia da tribo Terena, do interior do estado de São Paulo. 
 
Em maio de 2010, indígenas brasileiros realizaram manifestação na capital do país, Brasília, demonstrando apoio à aprovação do Estatuto dos Povos Indígenas. (Cortesia Marcello Casal Jr./Agência Brasil)
Jornalista e presidente da ONG Aldeia Brasil, Sandra, 29, afirma que houve uma mudança no perfil das aldeias, o que deve ser levado em consideração pelo estatuto.
Mais de 40% da população indígena brasileira vive hoje em grande centros urbanos, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O Censo de 2010 aponta que o Brazil tem 800.000 índios, com 300.000 deles vivendo em cidades.
“Esses índios precisam ser ouvidos para sabermos quais necessidades e garantias eles necessitam”, defende Sandra.
Saulo Feitosa, secretário adjunto do Conselho Indigenista Missionario (CIMI), completa: “O projeto de lei foi apresentado em 1991, sua tramitação foi paralisada em 1994 e agora que ele voltou à pauta. Por isso, nossa proposta é que ele seja totalmente reescrito com base em uma discussão entre os povos indígenas e governo.”
Feitosa sugere a formação de uma comissão especial para debater o tema.
Enquanto o novo Estatuto dos Povos Indígenas não é aprovado, segue em vigor a Lei 6001/73, o chamado Estatuto do Índio, que regulamenta os direitos dos índios brasileiros.
“Mas esta lei tem que ser atualizada, pois o Brasil precisa criar um marco legal compatível com a Constituição de 1988 e ainda conforme a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT”, argumenta a assessoria técnica da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos Deputados.
A expectativa é que o Projeto de Lei 2057/91 volte a ser debatido pelos parlamentares. Mas há deputados que defendem que sejam retomadas as discussões para que seja apresentado um novo projeto de lei sobre o tema, adianta a CDHM. 
 
O Censo de 2010 aponta que o Brasil tem 800.000 índios, com 300.000 deles vivendo nas cidades. (Cortesia de Elza Fiuza/Agência Brasil)
Outros parlamentares querem iniciar a tramitação de um substitutivo ao PL 2057/91. O texto, que aguarda despacho da Mesa da Câmara, foi apresentado pelo Ministério da Justiça (MJ) em agosto de 2009 e baseia-se na Convenção 169 da OIT e na Constituição Federal de 1988.
O movimento indígena e a Comissão Nacional de Políticas Indígenas (CPNI), vinculada ao MJ, defendem um substitutivo porque consideram que o PL 2057/91 tem várias lacunas, explica a CDHM. 

Questão fundiária é uma das prioridades
A Fundação Nacional do Índio (Funai), criada em 1957, é o órgão do governo responsável pelo estabelecimento e execução da política indigenista de acordo com o que determina a Constituição Federal Brasileira de 1988.
Resolver os conflitos fundiários é uma das prioridades da Funai para 2011.
“Precisamos fazer a mediação entre as comunidades indígenas e os fazendeiros”, esclarece Aloysio Guapindaia, diretor de promoção e desenvolvimento sustentável da Funai. “Estamos atuando em várias regiões, como na Bahia, Mato Grosso e Rio Grande do Sul para garantir os direitos e ao mesmo tempo não ferir os direitos de posse.”
Um dos avanços do estatuto redigido em 1991 é que o documento estabelece como competência da Justiça Federal processar e julgar disputas sobre direitos indígenas, os crimes praticados por índios ou contra índios, suas sociedades, suas terras e seus bens.
“A proteção dos direitos dos povos indígenas e a garantia do respeito pela sua integridade, do gozo pleno dos direitos humanos e liberdades fundamentais, sem obstáculos nem discriminação, como estabelecido na Constituição e na convenção 169 da OIT, é o norte a ser seguido pelos legisladores e o fim a ser alcançado com a edição do estatuto”, defende Santos Filho.
Fonte:

Sobre os indígenas, o direito à identidade e a Lei 11.465/2008

Eles são cerca de 750 mil pessoas, divididas em 220 povos, que falam 180 línguas. Só agora, porém, com a Lei 11.465/2008, os brasileiros terão uma chance de enfim conhecer a diversidade e a riqueza de sua cultura. Escolas, alunos e professores irão finalmente olhar nossos índios para além do 19 de abril. Nossa História irá ser contada de uma forma menos etnocêntrica, deixando claro que a construção deste país não teve por protagonista apenas o branco europeu.
O valor dos povos indígenas não pode ser atribuído por uma lei, mas é certo que ela é um passo para uma mudança no preconceito, na incompreensão, na indiferença, na violência.Vemos nos jornais, notícias sobre a Reserva Raposa do Sol, de Roraima, invadida por fazendeiros que desrespeitam os direitos indígenas. Vemos notícias sobre a situação de pauperização de muitas tribos, da subnutrição de crianças indígenas e sua morte em níveis muito superiores ao das crianças negras e brancas. Incêndios misteriosos destroem os locais de culto e de rituais de sua religião. Líderes indígenas são assassinados sem punição (só em 2007, foram 96 assassinados, segundo dados do Cimi). Tentam transformar o Museu do Índio, no Rio de Janeiro, em um estacionamento.
Neste ano em que se completam 60 anos da Declaração Universal dos Direitos do Homem, a regulamentação pelo Congresso Nacional da Declaração das Nações Unidas sobre o Direito dos Povos Indígenas, aprovada na ONU em setembro de 2007 com voto de 143 países, incluindo o Brasil, seria a melhor forma de comemoração. Assim como seria ter um índio como Presidente da FUNAI. Ou ter a efetividade dos direitos assegurados pela Convenção 169 da OIT para povos indígenas e tribais.
Da visão estereotipada que nos ensinam desde criança a ter dos índios, a única que corresponde à realidade é a de que são guerreiros. Como Marcos Terena, incansável líder pelos direitos indígenas. Como Daniel Munduruku, Doutor em Educação e escritor de 20 livros. Como Eliane Potiguara, escritora de renome internacional, indicada para o Nobel da Paz Coletivo, combativa líder dos direitos indígenas na ONU e fundadora do GRUMIN, primeira organização de mulheres indígenas do Brasil. Como a jovem Fernanda Kaingang, Mestre em Direito pela UNB e advogada do INBRAPI, como a combativa advogada e líder comunitária Namara Gurupy, referência na luta pelos direitos não só dos indígenas como das comunidades tradicionais de pescadores.
Seus desafios vão da proteção da cultura de seu povo e dos conhecimentos tradicionais até a defesa da ecologia e dos recursos hídricos, na luta pelos direitos previstos na CDB – Convenção da Diversidade Biológica – quanto ao acesso e uso dos recursos genéticos, da propriedade intelectual, do direito de uso e gestão sustentável de seus territórios.
A Lei 11.465/08 poderá contribuir para a afirmação da identidade destes povos, que sempre foram estigmatizados, desvalorizados em sua dimensão de geradores de bens culturais, até por falta de acesso ao mercado e à mídia. Que se estude a arte indígena ao lado do estudo de um Di Cavalcanti, um Portinari. Que possamos conhecer (e reconhecer) que sua fé em Nhanderú deve ter igual respeito a nossa fé em Jesus Cristo, Allah ou Buda. Que ao lado da poesia e da beleza dos textos de Drummond, Quintana, Machado de Assis, possamos ler e sentir o talento de escritoras como Graça Graúna e Eliane Potiguara. Que possamos aprender, com a literatura dos índios, uma visão de um mundo mais solidário, mais espiritualizado, menos consumista e capitalista, em maior comunhão com as energias da criação.
A evolução histórica da proteção e respeito aos direitos das minorias passa necessariamente pela educação. Educar para a tolerância aos diferentes, para a não dominância e respeito à diversidade como condição da construção para uma cultura de paz O pluralismo cultural como um valor universal a ser partilhado por todos é o caminho para por fim a opressão e exclusão de identidades sócio-culturais de grupos étnicos diversos, na “ressignificação da cidadania” diante do multiculturalismo, em alternativas abertas para a construção de um país melhor.
Leis, por si só, não mudam pessoas nem realidades, não exilam preconceitos nem fazem regressar valores, às vezes raros como diamantes. Mas nos oferecem caminhos, pontes, acessos, instrumentos para serem garimpados. O direito é um ato em permanente construção, no qual “palavras nascem como flores”, como dizia Hordelin.Ou seja, precisamos do cuidado, para que no terreno da existência não feneçam as sementes sem brotar para o mundo.
Direitos Fundamentais Culturais são direitos cuja efetivação envolve a consciência de que a diversidade nos enriquece. Envolve o reconhecimento de que o respeito à identidade se relaciona à própria noção de dignidade, pois todas as culturas representam um conjunto de valores único, sendo o diálogo intercultural essencial para a evolução e existência da própria humanidade.

Para saber mais sobre os índios:
http://www.indiosonline.org.br
http://www.funai.gov.br
http://www.grumin.org.br
http://www.inbrapi.org.br

Fernanda Mullin de Assis – Mestre em Direito, Professora de Direito Internacional, Pós-Graduanda pela CIF/OIT, Escritora com premiação pela UNESCO.

Foto Pataxós – Nádia Chaia

Sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos

 imagem: Genizah Hermes Fernandes
 CUMPRA-SE A SENTENÇA INTEIRA
Por Anivaldo Padilha, Marcelo Zelic, Roberto Monte e Vicente Roig *
O estado brasileiro publicou no site da Secretaria de Direitos Humanos comunicado informando que efetuou a publicação no Diário Oficial e no jornal O Globo dia 15/06 da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre o caso Julia Gomes Lund e outros.
Diz a nota da Ministra:
“Publicar o resumo dessa sentença é parte do cumprimento do Estado brasileiro em relação ao que foi decidido pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso da Guerrilha do Araguaia (1972-1975).
Dentre os aspectos emblemáticos da sentença destaca-se a necessidade de continuar as buscas para identificar e entregar os restos mortais dos desaparecidos políticos aos seus familiares; oferecer tratamento médico, psicológico e psiquiátrico para as vítimas que requeiram e, sistematizar as informações sobre a Guerrilha e demais violações ocorridas durante o regime militar no Brasil.”
De fato, é parte do cumprimento da sentença dar ciência à população brasileira dos termos da condenação do Brasil pelos fatos ocorridos na Guerrilha do Araguaia, cumprir o prazo de divulgação, mesmo que no último dia, sinaliza desejo de cumprimento, mas destacar como emblemático somente as buscas aos desaparecidos, é reduzir a abrangência da condenação que o Brasil sofreu na Corte.
É necessário que o país cumpra a sentença INTEIRA. A apuração dos fatos e a responsabilização dos culpados pelos assassinatos, torturas e desaparecimentos forçados, entendidos na jusrisprudência da Corte Interamericana como crimes de lesa-humanidade, TAMBÉM TEM DE SER cumprida pelo Estado.
Estamos no meio do ano e para cumprir a sentença é preciso remover os obstáculos que impedem a apuração e a responsabilização dos autores destes crimes julgados na Corte, ou seja, reorientar o judiciário brasileiro sobre a interpretação da Lei de Anistia, possibilitando aos atingidos e ao Ministério Público Federal abrirem processos e para isso a posição da AGU vai na contra-mão das intenções sinalizadas pela Ministra Maria do Rosário em seu comunicado.
No capítulo XI da sentença, que trata sobre as reparações esperadas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, temos que o estado Brasileiro tem a obrigação de investigar os fatos e se for o caso punir. Desta forma o posicionamento da AGU reafirmando a prevalência da decisão do STF frente aos tratados internacionais, incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro, é uma afronta à Corte e aos cidadãos brasileiros.
Não se cumprem sentenças condenatórias pela metade, não se escolhe o que cumprir e o que não cumprir de uma condenação.
PELO RESPEITO AOS TRATADOS INTERNACIONAIS PRESENTES EM NOSSO ORDENAMENTO JURÍDICO.
PELA REVISÃO DA DECISÃO DA ADPF 153 PELO STF.
PELA ALTERAÇÃO DA LEI DE ANISTIA E APROVAÇÃO DO PL DA DEPUTADA FEDERAL LUIZA ERUNDINA.
PELO FIM DO SIGILO ETERNO.
O não cumprimento integral da sentença, diminue o esforço pela criação da Comissão da Verdade. Discutirmos sua criação e silenciarmos frente a revisão da ADPF 153 traz insegurança jurídica para o avanço dos direitos humanos no Brasil e nega-se a justiça.
Sabemos do compromisso da Ministra Maria do Rosário com o direito à verdade e a justiça, mas é impensável para os defensores de direitos humanos que o Governo de nossa presidenta Dilma Rousseff insista em remar contra a corrente da evolução dos direitos humanos e da luta contra os crimes de lesa-humanidade no continente e procure esconder em baixo do tapete a impunidade que tanto tem prejudicado nosso país !

Para os que desejarem consultar os termos da condenação do Brasil vejam a partir das páginas apontadas abaixo.

XI. REPARAÇÕES 245

A. Parte Lesionada 251
B. Obrigações de investigar os fatos, julgar e, se for o caso, punir os responsáveis, e de determinar o paradeiro das vítimas 253
C. Outras medidas de reabilitação, satisfação e garantias de não repetição 264
D. Indenizações, custas e gastos 298

Leia aqui a íntegra da sentença:

Abraços

Anivaldo Padilha
Ex-preso político
Membro da Igreja Metodista e associado de KOINONIA Presença Ecumênica e Serviço

Marcelo Zelic
Vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais-SP e membro da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo
Coordenador do Projeto Armazém Memória

Roberto Monte
Coordenador da Rede de Direitos Humanos e Cultura – DHNet
Coordenador do Centro de Direitos Humanos e Memória Popular do Rio Grande do Norte

Vicente Roig
Advogado
Ex-preso político
Vice-Presidente da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo
Secretário Geral do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana do Estado de São Paulo