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Carta da Semana da Terra
Abril indígena de 2023
Mãe, tá difícil até de respirar…
Hoje seria seu dia, mas nos deparamos com as pessoas envolvidas em celebrações com tintas no rosto e cocares de plástico; pessoas que nos chamam de “índio” e que agem como se tivessem nos “descoberto”. A realidade é que brincam com a nossa identidade como se fôssemos parte da fantasia; como se a gente fosse distante e não fossemos todos filhos da Terra, seus filhos. Mãe, essas pessoas nos sufocam! Todos os dias escutamos coisas absurdas sobre como devemos ser e viver, mas essas pessoas não estão em nossa pele e, como se não bastasse, esquecem daqueles que vieram antes de nós; esquecem que te banharam com nosso sangue; mas sabemos Mãe, que ouviste o nosso choro, os nossos cantos e as nossas maracas. Por todo esse tempo, Mãe Terra, você tem sido nosso alento; você é nossa origem: surgimos de ti e para os teus braços voltamos. Mãe, estamos sofrendo porque te contaminam, jogam mercúrio em tuas águas e poluem o teu solo sagrado. Esses venenos continuam matando teus filhos. Até quando, continuarão arrancando de ti os teus braços – as tuas árvores que nos acolhem, que purificam o ar que respiramos?
Mãe, tá difícil de respirar! Na cidade continuam degradando teu solo, teu ventre. Constroem edifícios que te sufocam e nos marginalizam. Não somos considerados teus filhos, mesmo quando na urbanidade nos encontramos. Somos feitos de ti, onde quer que estejamos.
Mãe, temos fome! Não apenas aquela fome que dói a barriga e tira o sono, mas aquela fome de justiça. O alimento que sacia nossa fome é aquele que vem do reconhecimento do território como nosso. A fome de justiça alimenta a nossa luta, mas precisamos também de descanso. Estamos cansados, mãe! Cansados de precisar afirmar quem somos; cansados de nos matarem; cansados de não ocuparmos o espaço que nos pertence. Estamos exaustos de falarem por nós!
Mãe, a vacina chegou! Ajudou muitos de nós a respirar, mas ainda não há remédio para estancar a ignorância e a violência. Ainda é preciso aprender a sair da vaidade que corrompe o espírito e as (n)ações. Perderam a humanidade, mas o Amanhã, Mãe, dependerá de nós, de todos os teus filhos juntos. Depende de voltar para casa, de voltar para ti. Voltar para a Mãe Terra e saciar a fome. Temos fome de alimentar nossos “eus”, porque somos parte do Coletivo com a força dos ancestrais; com a simplicidade e, ao mesmo tempo, com a força da natureza. Mãe, o Coletivo nos chama para entoar os cânticos e, nesse ritmo, pedir ao nosso Pai Tupã que nos proteja e nos guie ao longo da nossa jornada. Existir e Resistir é preciso.
Assinam esta Carta da Semana da Terra
Profª Graça Graúna, filha do povo Potiguara/RN, (Ciências Sociais/Fensg); Profª Waldênia Leão de Carvalho (Coor. Ciências Sociais/Fensg); Prof. Renan Cabral da Silva (Ciências Sociais/Fensg) e o seguinte grupo Discente junto à Disciplina Antropologia Indígena: Alberth Alexsander da Silva Pereira, Dayane Bezerra da Silva, Deborah Larissa Afonso de Arruda, Glória Maria Nemesio da Silva, Jecenita Ferreira da Silva, Júlia Lucena de França, Karen Maria de França Silva, Maria Liz Medeiros Nery da Fonseca, Maria Vitória Tetéas de Moura Ferreira, Mileide Vitorina Moreira, Mirella Barbosa Fernandes, Nikolas Kotronakis Ramos Lopes Barreto e Thais dos Santos Barbosa.
“Al corazón de la tierra”: uma canção necessária
Quando compartilhei a “Carta da Terra”, recebi afetuosos comentários.
À medida que as visitas foram chegando ao blog e por whatsapp e e-mails, senti necessidade de buscar possíveis canções com temática referente à nossa Mãe Terra. Desse modo, tive a grata satisfação de encontrar no Instagram de uma amiga gestora de projetos culturais (@eliene_r_o) um áudio que me chamou atenção; a começar pelo título: “Al corazón de la tierra”. Imediatamente, perguntei a Eliene se ela me ajudaria a entrar em contato com os autores do precioso áudio. Não demorou muito e no mesmo dia, a minha amiga falou com muito entusiasmo que conseguira falar com um dos autores do áudio e foi logo passando a ficha técnica do grupo.
Trata-se de um trabalho artístico compartilhado por @aristimusica, da Colômbia. A canção e a letra foram compostas por Sebastian (@casaumapaz) com o produtor musical Aristi. A capa do áudio foi ilustrada por Paola León (@frq1320). O áudio também conta com a participação de @juanignacioarbaiza, na flauta.
No dia seguinte, ao comentar com Eliene sobre o meu desejo de postar o áudio junto a Carta da Terra, recebi a noticia de que Sebastian & Aristi permitiram a publicação do áudio neste blog. Então, sintam-se à vontade para escutar a canção, neste link: https://ditto.fm/al-corazon-de-la-tierra
Creio que esse áudio sugere uma estreita relação de amor com a Terra, uma relação semelhante a que expomos na carta coletiva; pois como diria o Chefe Sealth (em 1854): a terra não pertence ao homem. Somos nós que pertencemos à Terra.
Saudações indígenas,
Graça Graúna (filha do povo potiguara/RN)



