Cinema indígena no Festival de Brasília

Curta potiguar “Katu” será exibido no Canal Brasil em Festival de Brasília

Fonte: Saiba Mais > Agência de Reportagem (RN)

Reportar: Isabela Santos, em 9/12/2020

Fotos: Rodrigo Sena

“O filme tem uma força pela escolha da narrativa e seus personagens com conflitos urgentes”, explica Rodrigo Sena, diretor e roteirista do curta “A Tradicional Família Brasileira – Katu” (2019). O trabalho documental que tem como protagonistas personagens do povo potiguara, do Rio Grande do Norte, é um dos selecionados para o 53º Festival de Cinema de Brasília.

O festival teve 801 filmes inscritos para a Mostra Oficial de Curtas com seleção de 12 vídeos. O evento será transmitido pela primeira vez nacionalmente, pelo Canal Brasil (Mostra Oficial de Longa-Metragem) e na plataforma de streaming Canais Globo (Mostras Oficial de Curtas e Brasília) entre os dias 15 e 20 dezembro e as premiações somam mais de R$ 400 mil. Dia 21 de dezembro, às 20h, a cerimônia de premiação será transmitida pelo Canal do Youtube do 53º FBCB.

A equipe organizadora do festival considera que os escolhidos indicam a quebra de hegemonia de narrativas masculinas, brancas e de polos centralizadores de poder. Com cinco representantes do Nordeste (BA, RN, MA, CE e PE), dois do Sul (SC, PR) e cinco do Sudeste (RJ, ES, SP e MG), e apresentam diversidade tanto na produção quanto nas temáticas.

Este será o 30º festival de Katu, que já foi contemplado neste mês de dezembro três vezes: com a principal premiação do Festival de Cinema Ambiental de Goias – FICA; com prêmio do GeoFilmeFestival, na Itália; e menção honrosa no Circuito Penedo de Cinema em Alagoas.

De acordo com o diretor, “A Tradicional Família Brasileira – Katu” começou a circular em festivais internacionais, depois, aos poucos, foi recebido nas mostras brasileiras. E assim, criou vida própria.

“Claro que sempre queremos o melhor para o filme, porém ele tem vida independente e nunca sabemos como vai ser a receptividade e a repercussão. Estamos trabalhando com seriedade, tem sempre uma equipe que faz o trabalho pesado do filme, essa e a hora de colhermos o que plantamos”, conta Rodrigo Sena, ao ressaltar que sua ideia de cinema é sempre abordar questões sociais e que “possibilitem outro ponto de vista que não seja do colonizador”.

A comunidade Eleotério do Katu, na divisa dos municípios de Canguaretama e Goianinha, possui a única escola indígena do Rio Grande do Norte e serviu de inspiração para o curta.

Rodrigo Sena fotografou o povoado em 2007 para reportagem publicada no Dia Nacional do Índio pelo jornal Tribuna do Norte. Anos depois, resolveu voltar lá para conferir como estava a vida das crianças que havia encontrado anteriormente.

A realização do filme é da ABOCA Audiovisual, Ori Audiovisual e Studium Produções e foi viabilizado com patrocínio da Prefeitura do Natal, BRDE, FSA e ANCINE, por meio do edital Cine Natal.

A Tradicional Família Brasileira KATU

Sinopse: Em 2007 é produzido um ensaio fotográfico em reconhecimento aos povos originários Potiguaras, retratando doze adolescentes pertencentes ao Eleutério do Katu (RN). Doze anos depois, o fotógrafo volta ao Katu em busca desses protagonistas, hoje já adultos, para saber sobre suas trajetórias pessoais e suas visões de mundo.
Gênero: Documentário
Ano: 2019
Origem: Natal (RN)
Duração: 25 minutos
Classificação: Não recomendado para menores de 12 anos

Ficha Técnica:

Argumento, Direção E Roteiro: Rodrigo Sena
Produção Executiva: Arlindo Bezerra
Direção De Fotografia: Júlio Castro
Som Direto, Mixagem e Desenho De Som: Jota Marciano
Consultoria, Montagem e Finalização: Rodrigo Fernandes
Produção: Ernani Silveira
Assistência de Câmera: Gustavo Guedes
Fotografia Adicional: Rodrigo Sena
Imagens Aéreas: Caio Guerra
Maquinista: Hallison H2l
Trilha Sonora: Toni Gregório E Tiquinha Rodrigues
Designer: Rodrigo Palmares
Elaboração Do Projeto: Diana Coelho
Tradução Inglês: Julian Cola
Tradução Espanhol: Beatriz Brooks Yance
Audiodescrição e Legendagem: Rafael Garcia E Beth Garcia Voz
Audiodescrição: Arlindo Bezerra

FBCB

Vitrine do cinema político no país, o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro (FBCB) travou batalhas contra governos autoritários e políticas de desmonte ao audiovisual ao longo das 53 edições.

Em 2020, diante da pandemia, o evento esteve, como a maioria dos eventos culturais, na iminência de ser cancelado. Seria interrompido mais uma vez. De 1972 a 1974, foi censurado pela ditadura militar.

Neste momento tão atípico, a parceria com o Canal Brasil é uma oportunidade para que um número maior de pessoas possa acompanhar a exibição dos filmes, desta vez com alcance nacional. Os 30 filmes selecionados para as mostras Oficiais de Longa e Curta e a Brasília apontam para o cinema contemporâneo brasileiro que se apropriou de suas narrativas para firmar uma identidade. Há filmes de todas as regiões do país.

Em torno da exibição, o FBCB terá, como um dos pontos altos, o encontro com o diretor britânico Ken Loach, sobre “o cinema como ferramenta política”, mediado por Silvio Tendler. Expoente do cinema político contemporâneo, o autor de Eu, Daniel Blake (2016) estará, ao vivo, numa sala virtual, no dia 16 de dezembro, das 11h às 12h, com transmissão para o Canal do YouTube da Secec.

Ailton Krenak vence o prêmio de intelectual do Ano

Ailton Krenak, no Congresso da Abralic/UFU.
Crédito da foto: G.Graúna

Apesar da pandemia, as notícias sobre literatura indígena ganham destaque. No início de setembro de 2020 foi noticiado o nome do vencedor do Premio Nacional de Literatura no Chile: Elicura Chihuailaf (povo mapuche)1. Da sua manifestação artística, cabe sublinhar que a sua poesia fala do sonho que se escuta ao pé da fogueira ou do fogão; dos diferentes sabores que exalam da terra; do cheiro da mata e do estrondar do trovão, como sugerem os versos do livro “Sonho azul”, do poeta mapuche. Para saber mais da poesia de Elicura, confira a resenha neste blog. No Brasil, a literatura indígena também ganhou destaque. Na segunda quinzena de setembro, a União Brasileira de Escritores (UBE) anunciou que o prêmio de intelectual do ano foi concedido ao indígena Ailton Krenak: ambientalista, escritor e uma das maiores lideranças do movimento indígena no Brasil.

Krenak: literatura e indignação

Entre as contribuições de Ailton Krenak, o livro “Ideias para adiar o fim do mundo” questiona “a forma que os brancos adotam para viver, abrindo mão da liberdade de estar em contato e em harmonia com a natureza”2. Esse livro foi destaque no Globonews, em 2019. Ao ser entrevistado nesse canal, Krenak falou da relação que algumas culturas mantêm com o sagrado. Nesse contexto, ele destacou a maneira como o Rio Ganges é respeitado pelos indianos e falou com indignação sobre o desrespeito e o descaso com que os rios são tratados no Brasil.

Sobre o ativismo de Ailton é importante ressaltar a participação desse líder na Assembleia Nacional Constituinte, em setembro de 1987; uma Assembleia marcada pela defesa da Emenda Popular da União das Nações Indígenas e pelo discurso histórico de Ailton, ao denunciar a política anti-indígena. É fundamental o pensamento de Krenak para a compreensão do nosso papel no mundo. Não é à toa que ele indaga sobre o que justifica ser parte de uma humanidade em que mais de 70% parece totalmente alienada do exercício de ser. A resposta de Ailton aponta para a desenfreada modernização, entre outras questões que quase ninguém vê:

O que a literatura indígena tem a dizer nesse tempo de pandemia?

A modernização jogou essa gente do campo e da floresta para viver em favelas e em periferias, para virar mão de obra barata em centros urbanos. Essas pessoas foram arrancadas de seus coletivos, de seus lugares de origem, e jogadas nesse liquidificador chamado humanidade. Se essas pessoas não tiverem vínculos profundos com sua memória ancestral, com as referências que dão sustentação a uma identidade, vão ficar loucas neste mundo maluco que compartilhamos.3

Na quarentena do corona-vírus, as redes sociais contribuíram para a divulgação de livros escritos por indígenas. Desses livros, citamos:  “A vida não é útil”. O autor adverte que “civilizar-se” não é um destino; ele critica “consumidores do planeta” e questiona a própria ideia de sustentabilidade, vista por alguns como panaceia.

O que a literatura indígena tem a dizer nesse tempo de pandemia?

Na quarentena do corona-vírus, as redes sociais contribuíram para a divulgação de livros escritos por indígenas. No livro  “A vida não é útil”, o autor adverte que “civilizar-se” não é um destino; ele critica os “consumidores do planeta” e questiona a própria ideia de sustentabilidade, vista por alguns como panaceia.

No formato e-book, disponível de forma gratuita, “O amanhã não está à venda” alerta que “a pandemia da Covid-19 obriga o mundo a reconsiderar seu estilo de vida”.

As contribuições do autor indígena se transformam em convite para as pessoas combaterem o consumismo; o racismo, a discriminação racial e outras formas de intolerância. Nesta perspectiva – ao refletir acerca da relação entre literatura e direitos humanos no pensamento de Krenak –  faz-se necessário sublinhar as palavras de Antonio Candido: “a literatura aparece claramente como manifestação universal de todos os homens em todos os tempos. Não há povo e não há homem que possa viver sem ela”4.  

Sobre a manifestação poética em Ailton, considero importante compartilhar os versos que ele enviou (em depoimento pessoal, por telefone). Trata-se do poema intitulado “Um outro céu”; do ser indígena que evidencia a inquietação, a incerteza nas dobras do tempo que atinge todos em tempos de pandemia.

Para “concluir” esta breve reflexão, torno a perguntar: o que a literatura indígena tem a dizer nesse tempo de pandemia?

A sociedade dominante tem muito a aprender com os povos originários. Pensando assim, reitero o papel da memória vinda dos povos indígenas; falo da importância que é o plural da voz do texto, porque é do coletivo que brota a esperança da terra. É esta a impressão que sempre carrego, quando escuto e leio as histórias, os cantos, os rezos xamânicos, a poesia que fazem parte do jeito de ser e de viver dos povos originários; quer seja na apreensão dos saberes historicamente construídos; na afirmação dos valores ancestrais e na luta de cada dia pelo fortalecimento da identidade, entre outros direitos indígenas; enfatizando, aqui, a demarcação de território.

Ameríndia, 29 de setembro de 2020

NOTAS

  1. Para saber mais, confira a resenha “Elicura, poeta mapuche…”, disponível em: https://gracagrauna.com/2020/09/12/elicura-poeta-mapuche-premio-nacional-de-literatura-2020/
  2. Entrevista ao site Amazônia real. Disponível em: https://amazoniareal.com.br/. Acesso em, 29/09/20.
  3. GRAÚNA, Graça. Literatura indígena: espaço de (re)construção, resistência e protagonismo na produção cultural brasileira. In: SESC. Educação em rede, vol. 7, Rio de Janeiro: Sesc, 2019, pp. 106-120.
  4. CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In; ______. Vários escritos. 3. ed. São Paulo: Duas Cidades, 1995, p. 242.