
O “Pai do Mangue”, a “Cumade Fulorzinha” (Mãe do Mato), “Sopinha e Cu de Fogo”, o “Batatão” e as “Bruxas de Coqueirinho” são histórias que vencem o tempo, sobretudo quando contadas por guardiões e guardiãs; assim, como acontece nas aldeias Jacaré de César e Três Rios, lideradas respectivamente pelos caciques Edilson de Lima (Tita) e Joseci Soares da Silva (Ci), do povo potiguara da Paraíba.
À luz da pesquisa “Tradicionalidade, territorialidade e encantamento no Pai do Mangue”, de Milena Veríssimo Barbosa; a coletânea É história viva, num é história morta (publicada em PDF, pela Editora UFPB, 2020) foi organizada por Luciane Alves Santos, Maria Alice Ribeiro Gabriel, Michelle Bianca Santos Dantas e Milena Veríssimo Barbosa: pesquisadoras do Curso de Licenciatura em Letras, do Centro de Ciências Aplicadas e Educação (CCAE), da Universidade Federal da Paraíba. Entre as organizadoras, Milena Veríssimo (de origem Potiguara) buscou motivação na cultura do seu povo para desenvolver a pesquisa. Segundo consta na Apresentação da referida coletânea de narrativas orais:
“o interesse em estudar as narrativas orais deve-se ao fato de Milena Veríssimo, indígena potiguara, ter passado a infância ouvindo os contadores de histórias da Aldeia Jacaré de César falarem sobre personagens encantados, a exemplo dos relatos de seu bisavô, carinhosamente chamado de “Pai Neco”, que narrava casos da Cumade Fulorzinha, do Batatão, Pai do Mangue, experiências de vida e memórias da tradição” (p. 10).
A transcrição das entrevistas gravadas por Veríssimo, em áudio, contou com a colaboração de Michele B. S Dantas (Professora Adjunta do Departamento de Letras, UFPB). Foram entrevistados “dois homens e três mulheres com idade entre 64 e 81 anos, [que] vivem há muitos anos nas aldeias Jacaré de César e Três Rios” (p. 12). Ao longo de dois meses (março e abril de 2020) a pesquisa foi interrompida pela Covid19. Não foi nada fácil o processo de elaboração do livro durante a pandemia. As organizadoras da coletânea observam que o processo faz parte de um momento histórico “de apreensão e incerteza para os povos indígenas do país, devido a graves desastres ambientais e às perdas humanas causadas durante a Pandemia, cuja extensão não é possível mensurar ou reparar por completo” (pp. 11-12).
Nessa coletânea, as pesquisadoras comentam que a colaboração no campo de obras literárias e de publicações científicas entre o meio acadêmico e os povos originários ainda é muito recente no Brasil; elas fazem também referências a estudiosos e estudiosas, pensadores e pensadoras, autores e autoras da literatura contemporânea escrita por indígenas no Brasil:
“Entre os autores mais conhecidos encontram-se Daniel Munduruku, com mais de 50 títulos no campo da literatura para crianças e jovens, seguido de Ailton Krenak, Álvaro Tucano, Arão da Providência Guajajara, Cássio Potiguara, Cristino Whapichana, Darlene Taukane, Edson Brito, Edson Krenak, Eliane Potiguara, Ely Macuxi, Florêncio Almeida Vaz, Graça Graúna, Naine Terena, Olívio Jekupé, Roni Wasiry Guará, Tiago Hakiy, Yagrarê Yamã, dentre outros.” (pp. 14-15)
Entre as abordagens críticas da coletânea, cabe sublinhar o pensamento do ativista Ailton Krenak. Ao denunciar o preconceito e o estereótipo que os saberes indígenas sofrem, o líder Krenak enfatiza que a literatura indígena escrita; “a literatura indígena em papel é uma tradução de narrativas ricas, complexas e profundas no contexto original de produção” (p. 19).
Apesar dos tempos obscuros marcados pela Covid19, essa coletânea de narrativas do povo potiguara da Paraíba traz a beleza dos saberes ancestrais compartilhados pelos narradores Orlando Soares de Lima, 67 anos, morador da aldeia Jacaré de César e o Cacique Josecí Soares da Silva, 64 anos, morador da aldeia Três Rios; pelas narradoras Dona Izabel Veríssimo de Lima, 65 anos e Dona Maria Matutina Soares, 81 anos: ambas moradoras da Aldeia Jacaré de César e Dona Zita, 66 anos, moradora da aldeia Três Rios.
Nessa perspectiva, aqui fica o convite para criarmos pontes entre a oralidade e a escrita; um convite para acolher a literatura indígena, isto é, uma manifestação que implica um conjunto de vozes de autores que testemunham “de memória” as histórias cotadas pelos mais velhos e por todos/as que não abrem mão da ancestralidade; pois ao dar voz à memória, estamos (coletivamente) perpetuando a tradição.